As Intermitências Da Doença
Tomei a liberdade de postar o incrível texto do Padre Anísio Baldessin que tenho a honra de ser amigo. Imperdível.
"Há algum tempo tive a oportunidade de ler o livro, As Intermitências Da Morte. Nele, o saudoso autor, José Saramago narra, ainda que de forma fictícia, o que aconteceria se num determinado dia, ficássemos sabendo que a partir de tal data, por determinação do governador do Estado, ninguém mais morreria.
Pensando nisso, cheguei a conclusão que o mesmo se daria em relação à doença. Pois se existem muitas pessoas que, desculpem-me o trocadilho, ganham a vida com a morte, temos milhões que são beneficiados e vivem em função da doença e dos doentes.
Senão vejamos: se não existisse doença, obviamente não precisaríamos de hospitais. Consequentemente não existiriam profissionais da saúde como também escolas para formá-los. Logo, os professores desta área também estariam desempregados.
Os que fabricam equipamentos hospitalares também não teriam onde trabalhar. Laboratórios farmacêuticos que são um dos negócios mais lucrativos do planeta, iriam desaparecer. As farmácias que fazem a alegria dos hipocondríacos (mania de doença) e dos seus proprietários, teriam que fechar as portas.
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Seguindo este raciocínio, existem mais alguns benefícios gerados pela doença. Muitos que, segundo a Igreja Católica, são reconhecidos como santos, alcançaram a santidade graças a existência da doença. Pois para comprovar a santidade de alguém, em muitos casos, foi preciso provar que o candidato tinha curado um doente incurável. Parece incrível, mas até mesmo uma das tarefas que Jesus atribuiu aos seus discípulos, “curai os doentes” iria desaparecer. Aliás, será que se não existissem as doenças, as Igrejas e os templos teriam tanta procura? Como costumo dizer, ainda que em tom de brincadeira, se os pecadores garantem o “emprego” dos padres, os doentes garantem o emprego dos profissionais da saúde.
Fico imaginando o que aconteceria nos hospitais, principalmente os que são de propriedade dos religiosos que diariamente, rezam com fervor, pedindo que Deus cure os doentes. Pois se de um lado há uma vontade que isso aconteça, do outro existe uma grande preocupação quando, no final do mês, percebem que a ocupação dos leitos ficou muito abaixo do esperado e as receitas não foram suficientes para cobrirem as despesas. Aliás, na avaliação dos relatórios financeiros, o comentário em geral é: neste mês, o hospital teve um desempenho muito ruim.
Os planos de saúde, pelo menos aqui no Brasil, existem basicamente por dois motivos: o primeiro é devido à falta de responsabilidade do poder público, que não oferece assistência adequada à saúde do povo. E o segundo é que só necessitamos de plano de saúde porque, durante a vida, temos uma grande probabilidade de contrairmos alguma doença.
Por fim, sem esquecer que existem outros fatores relacionados ao mundo da doença, não poderia terminar esta reflexão sem mencionar um dos últimos benefícios da doença. Pois ela, num determinado momento, nos levará à morte. E quando isso acontece, entram em cena outro grupo de beneficiários. Para isso basta olharmos para a exploração da fragilidade emocional que existe com os familiares do falecido. São as empresas funerárias, casa de velórios, proprietários de jazigos, floriculturas, vendedores de velas e outros serviços que, sem nenhum escrúpulo, cobram caro por esses itens.
Diante disso, cada vez mais, encontro mais sentido na expressão contida no livro do Gênesis: “Então Deus contemplou toda a sua criação, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Tudo o que tem no mundo é bom, inclusive a doença. Isto porque, gostemos ou não, a doença é um dos caminhos que pode nos levar a morte. E Deus foi muito sábio em colocar a morte como parte da vida. Pois se a morte não existisse, o gosto pelo viver poderia acabar trazendo um desgosto por não poder morrer".