Há espaço para "zonas de conforto" durante o governo Trump?
O recente agravamento das tensões comerciais internacionais, impulsionado por uma nova onda de tarifas de importação adotadas pelo governo dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, marca uma nova fase da instabilidade econômica global. Com o objetivo declarado de fortalecer a indústria americana e conter os déficits comerciais, o governo norte-americano anunciou um pacote tarifário agressivo que eleva em até 104% as tarifas sobre produtos chineses (que, com sobretaxas pode chegar a 145% de elevação nas tarifas), impõe 20% às importações provenientes da União Europeia, e estabelece taxas variando entre 24% e 46% para países estratégicos como Japão, Coreia do Sul, Índia, Taiwan e Vietnã. Para todos os demais, aplica-se uma tarifa mínima de 10% sobre as importações.
As consequências foram imediatas e contundentes. A China, em resposta direta à ofensiva americana, anunciou uma elevação generalizada de tarifas sobre produtos dos Estados Unidos, alcançando impressionantes 84%. Trata-se de uma retaliação de escala raramente vista desde os anos 1930, que impacta diretamente setores altamente dependentes da exportação, como a agroindústria e a tecnologia. Com isso, o comércio bilateral entre as duas maiores economias do mundo está sendo profundamente reconfigurado, e arrasta consigo toda a cadeia produtiva global, que depende dessa interação para manter custos e prazos sob controle.
A resposta chinesa não é apenas simbólica. Ela representa um reposicionamento estratégico do gigante asiático, com potenciais efeitos colaterais que já se fazem sentir nos mercados financeiros. As bolsas globais operam em queda constante, com o índice Dow Jones registrando perdas expressivas nos últimos dias. A confiança dos investidores, já fragilizada, cede diante de um ambiente hostil ao livre comércio e à previsibilidade regulatória. O risco de uma recessão global deixa de ser apenas uma projeção pessimista e passa a integrar cenários centrais em diversas análises econômicas.
Nos Estados Unidos, o impacto das tarifas já se converte em pressões inflacionárias. Ao encarecer os produtos importados — muitos dos quais são insumos essenciais para a produção interna — a estrutura de custos das empresas é comprometida. Essa elevação é repassada aos preços finais, alimentando a inflação. O Federal Reserve, diante disso, se vê diante de um dilema: manter os juros baixos para sustentar o consumo e a atividade econômica, ou elevá-los para conter a inflação — o que pode agravar ainda mais a desaceleração já em curso.
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Globalmente, a escalada tarifária representa um novo obstáculo à recuperação econômica. Países emergentes, especialmente aqueles que têm nos EUA e na China seus principais parceiros comerciais, enfrentam riscos duplos: a retração da demanda externa e a volatilidade cambial. Para o Brasil, e particularmente para o estado de São Paulo — responsável por quase 40% das exportações nacionais — o impacto pode ser significativo.
Entre os setores mais vulneráveis está a indústria de sucos cítricos, na qual o Brasil, e especialmente São Paulo, é líder global. A imposição de tarifas pode comprometer a competitividade dos produtos paulistas frente aos similares mexicanos, que podem se beneficiar de acordos comerciais bilaterais com os EUA. Esse deslocamento de mercado pode ter efeitos duradouros na geração de emprego, renda e no equilíbrio das contas externas do país.
Diante desse cenário, a pergunta que se impõe é: há espaço para zonas de conforto durante o governo Trump? A resposta é clara: não. A nova ordem econômica exige vigilância, agilidade e capacidade de adaptação por parte das empresas, governos e instituições. Estratégias de diversificação de mercados, reforço da competitividade, regionalização das cadeias produtivas e investimento em inovação se tornam não apenas recomendáveis, mas urgentes. A sobrevivência e o crescimento dependerão da capacidade de antecipar movimentos, reagir com eficiência e construir alianças estratégicas em um ambiente cada vez mais fragmentado.
Em resumo, a era da previsibilidade e da confiança no multilateralismo dá lugar a uma realidade instável, onde o protecionismo é regra e não exceção. A política econômica, hoje, é instrumento de disputa geopolítica — e os seus reflexos são sentidos em cada contêiner parado no porto, em cada contrato suspenso, em cada investimento adiado. O conforto, neste contexto, é uma ilusão. É hora de se mover.