Investir na Felicidade?
A felicidade é um conceito muito subjetivo pelo que defini-la se torna desafiador. Muitos o tentaram, mas creio que poucos conseguiram fazê-lo. O que faz umas pessoas felizes poderá não fazer outras, como falamos de um sentimento há toda uma dose de individualidade emocional e cognitiva que precisa ser considerada.
A felicidade é algo pessoal, íntimo e idiossincrático. São muitos os fatores que a influenciam e não há fórmulas infalíveis que nos permitam alcançá-la. Cada um tem a sua forma particular de a sentir e promover, no entanto, há fatores comuns a todos nós que influenciam a forma como a sentimos.
Com as alterações sociais que temos vivido nestes últimos anos e com todas as que viveremos nos próximos tempos, é imperativo aumentarmos o nosso conhecimento sobre a forma como nos sentimos e tudo aquilo que condiciona os nossos estados emocionais. Estamos a viver uma era de transformação profunda para a qual nos podemos preparar. Darwin já o havia dito: “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”.
Para que o consigamos fazer, será importante que aumentemos o nosso grau de Literacia Emocional, isso implica saber um pouco mais sobre emoções, sentimentos e sensações, cérebro e neurociência, linguagem e comunicação, comportamentos humano e relações,…
Não é possível falar de felicidade sem conhecer profundamente as dinâmicas do comportamento humano e tudo aquilo que nos influencia como seres.
A superficialidade já não é mais aceitável quando falamos desta temática. Os casos de burnout a que assistimos, os níveis de stress e ansiedade que são vividos, a dificuldade em gerir estados emocionais, o desequilíbrio entre vida pessoal, família e trabalho são demasiado sérios para não darmos a devida importância ao tema.
É bom assistirmos a uma maior preocupação das organizações em criar condições para que os seus funcionários possam ter vidas mais felizes. No entanto, não me parece que estejamos a assistir a uma epidemia de falta de felicidade mas sim de falta de saúde e de conhecimentos. Este modelo económico que depaupera recursos humanos não é sustentável nem viável. Não podemos adoecer por trabalhar, não faz qualquer sentido! Nos casos em que a nossa saúde está em jogo, gratificações financeiras, complementos salariais, team buildings, férias, formações ou as palestras motivacionais pouco adiantam.
A verdade é que não podemos atribuir culpas a quem quer que seja por esta situação que vivemos, todos somos ou fomos coniventes com este sistema. O que está a acontecer é uma questão natural da evolução humana, aquilo que outrora nos serviu num determinado contexto socioeconómico agora já não mais é viável. Gradualmente estamos a abandonar os modelos pós-revolução industrial, a definir novas hierarquias de valores, a alterar padrões comportamentais, a mudar o nosso estilo de vida e a nossa forma de estar no mundo.
Estamos a evoluir! E a evolução é mesmo isto, um período de disrupção e caos entre dois períodos mais estáveis.
E o que podemos fazer para navegar neste caos e tentar chegar a bom porto?
Como em qualquer situação semelhante, podemos aumentar o nosso grau de conhecimentos, procurando conceitos e abordagens que nos permitam ver em perspetiva o que está a acontecer e ter uma visão de futuro. Podemos também socorrer-nos da história, analisar momentos semelhantes vividos pela humanidade e perceber que este não é o primeiro salto evolutivo que damos.
São vários os autores que mencionam a Gestão Emocional eficiente como um dos próximos passos evolutivos da humanidade. Temos que nos preparar para tal, aumentando o nosso autocontrole e o poder de regular os nossos estados emocionais.
E como é que isto se faz?
Esta é a pergunta que tantas vezes oiço, acompanhada de uma ansiedade que me faz ouvir a questão de outra forma: Diz-me por favor, como é que eu posso fazer isso de forma rápida e indolor?!
Interessante perceber como este tema nos traz um certo desconforto que de forma sublimar as nossas palavras e a comunicação não verbal acabam por denunciar.
A resposta à questão não é simples pois não há fórmulas rápidas, mas há informação que pode ser processada e começar a ajudar a entender melhor o que pode ser feito. Neste tema da felicidade há três pontos que me parecem importantes referir e que podem ser de interesse comum a todos quantos procuram entendê-la.
1º A felicidade não é uma emoção
Uma diferença fundamental entre um sentimento e uma emoção é o tempo de preparação para que se façam sentir. As emoções são imediatas e surgem, sobretudo, devido a estímulos externos. Ouvimos uma música e sentimos vontade de dançar, vemos uma cena de um filme e choramos, olhamos para um animal e sentimos medo, estamos com alguém que nos diz algo desagradável e sentimos raiva…
As emoções são informação que nos impelem para a ação como resposta adaptativa à nossa evolução e circunstâncias da vida. O seu objetivo é fazerem-se sentir de forma rápida e imediata e mobilizar-nos para a ação, sem que para isso tenhamos que ter consciência de que a estamos a sentir. A atividade da zona emocional do cérebro não é consciente, pois o seu objetivo é agir para garantir a nossa sobrevivência, não pensar sobre ela. Funções mais complexas são do domínio de outra área do cérebro - o neocórtex.
Para nos sentirmos felizes temos que ter consciência da nossa existência, do percurso que estamos a percorrer na vida, das aprendizagens que fazemos… Isso é construído com tempo, um sentimento não surge no imediato como uma emoção, exige reflexão, constância e permanência.
Muitos dos investimentos que vemos a serem feitos nas empresas não visam necessariamente aumentar a felicidade dos trabalhadores mas sim proporcionar-lhes momentos de alegria que, caso não sejam sustentados por uma liderança, cultura e ambiente organizacional congruente, não surtirão efeitos de longo prazo.
2º Os sentimentos são do domínio do neocórtex
Os sentimentos como a felicidade, amizade, compaixão, exigem a intervenção das zonas mais “sofisticadas” do nosso cérebro (neocórtex e córtex pré frontal). Para sentirmos felicidade é necessário analisar as situações, interpretá-las, atribuir significados, comparar, projetar… Um sentimento como a felicidade necessita de uma consciência do Eu e, por isso mesmo, de uma boa dose de autoconhecimento.
Acredito que os fatores externos e exógenos não são os mais importantes quando falamos de felicidade. Quando toca a senti-la, talvez estejamos mais a falar de uma questão de atitude perante a vida, muito associada a outros sentimentos como a aceitação, gratidão, apreciação, confiança, compreensão, segurança e, sobretudo, a um sentido de propósito na vida.
Quando falo de felicidade lembro-me sempre de Viktor Frankl e da sua famosa frase:
“Pode-se tirar tudo de um homem exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher a própria atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho.”
Quando falamos de sentimentos que representam valores (felicidade, liberdade, lealdade,…) é imperativo ver as coisas numa perspetiva mais holística e abrangente, fazendo sempre um rigoroso enquadramento concetual.
Quando digo que os sentimentos são do domínio do cérebro refiro-me ao facto de precisarem se ser pensados, de exigirem interpretação para reconhecermos que os estamos a sentir. Sabendo disto podemos presumir que um cérebro ágil, com conhecimentos apropriados e bom fitness emocional, terá a capacidade de sentir de forma mais saudável e sustentável.
Se estivermos cansados, se não tivermos conhecimentos sobre aquilo que nos move (literacia emocional), se não treinarmos a nossa inteligência emocional, a nossa capacidade para processar emoções e desenvolver sentimentos ficará muito aquém do seu potencial. Nessas circunstâncias podemos desenvolver estados emocionais que, para além de serem o caminhos para burnout ou outros distúrbios e patologias, nos incapacitam para viver uma vida saudável, produtiva e eficiente.
3º A felicidade exige investimento
Uma vida saudável e equilibrada exige investimento, viver bem é diferente de sobreviver… Viver é do domínio dos sentimentos, sobreviver é do domínio das emoções, temos cérebros especializados que não confundem, de todo, as suas tarefas.
Cuidar do nosso corpo, identificar e reconhecer as nossas emoções, dar atenção aos nossos pensamentos, conhecermo-nos com profundidade, aprender a gerir os nossos estados emocionais, saber controlar stress e ansiedade, ter a capacidade de nos automotivarmos, conseguirmos reconhecer as emoções de outros e sentir empatia, são aprendizagem que muito contribuem para a nossa felicidade.
A felicidade não é algo que se procura ou se encontra, acredito que é algo no qual se investe e se constrói ao longo da vida. Cada um desenvolve em si as competências que lhe vão permitir ser feliz e construir uma vida com sustentabilidade emocional - esta é a minha convicção.
A felicidade é algo que cada um constrói para si, pois está a investir em algo que é da sua responsabilidade, que depende da forma como cuida do seu corpo e da sua mente, do seu grau de conhecimento sobre si e sobre aquilo que o influencia, da sua autoconsciência...
Se soubermos investir em nós, a felicidade que tanto procuramos passará a ser uma consequência desse investimento.
Não acredito que haja fórmulas infalíveis, na melhor das hipóteses haverá tantas quantos seres humanos na Terra. As limitações que nos impomos, as comparações que fazemos, as críticas e julgamentos que nos colocamos são os principais inibidores da felicidade que tanto almejamos pois afetam fortemente a nossa saúde emocional.
Penso que o mais importante é compreendermos que de nada adianta andar à procura de felicidade, que ninguém tem o poder de nos dar ou tirar felicidade. Nós somos, ou não, felizes de acordo com a nossa atitude perante a vida.
Isto não quer dizer que não haja desafios e situações dolorosas que todos vivemos. Aliás, muitas pessoas descobrem que são felizes em grandes períodos de dor. O sentido que atribuímos à dor que sentimos muitas vezes desperta em nós um sentido de vida que muitos consideram ser felicidade.
É possível sermos felizes e, em determinados períodos da vida, estarmos tristes, pois a felicidade é um sentimento que tem um carácter mais permanente, e a tristeza é uma emoção que surge em determinadas circunstâncias da vida.
Talvez a fórmula das pessoas felizes seja autoconhecimento, amor-próprio e uma atitude construtiva perante a vida, que lhes permite aceitar os desafios e adversidades como parte da jornada.
Penso que podemos ver a Felicidade como sendo uma combinação do investimento que fazemos em nós, da forma como nos cuidamos e da nossa atitude perante a vida!
Acredito que muito do investimento que já está a ser feito nesta área é fundamental para melhorar o panorama da saúde mental e emocional no nosso país. Não sei se podemos afirmar que a felicidade dos colaboradores está a ser melhorada, mas certamente está a haver um maior investimento e contributo para a sustentabilidade emocional dos seres humanos que fazem parte das organizações.
Agora, é necessário encarar a questão com mais seriedade, pois 2023 e 2024 trarão desafios que nos afetarão a todos.
Precisamos de preparar as pessoas para ter mais autocontrole, para se auto regularem e modelaram emocionalmente, para compreenderem o que sentem e com isso ter mais autoconsciência. Um trabalhador feliz é um humano que se entende, que sabe o que necessita fazer para gerir a sua vida de forma mais saudável e sustentável. É uma pessoa que toma decisões conscientes e eficientes em função do desafio que tem pela frente, seja no trabalho ou em casa.
Precisamos investir na Literacia emocional e capacitar cada um para ser o gestor da sua saúde emocional, isso sim, poderá tornar as pessoas mais felizes e as organizações mais sustentáveis, eficientes se produtivas.
A felicidade do corpo consiste na saúde, e a do espírito na sabedoria. - Tales de Mileto
Elsa Pedroso
2yEu também costumo dizer que não há felicidade sem (auto) consciência. Gostei do seu texto Ana Raquel.
Fostering Life-Centered Organizations | Biomimicry, Sustainability and Regenerative Wellbeing
2yMuito bom Ana! Gostei muito de te ler 😊 Há um livro no qual me apoio muitas vezes quando trabalho o tema nas organizações, é o “Reinventing Organizations” do Frederic Laloux. Vai ao encontro de alguns dos pontos que referiste. Um abraço!