“Vibe Coding”: Os Riscos de um novo tipo de “Sentar e codar” no Desenvolvimento de Software

“Vibe Coding”: Os Riscos de um novo tipo de “Sentar e codar” no Desenvolvimento de Software

Antes de falar qualquer coisa sobre essa nova tendência, vamos abordar um pouco algo que sempre aconteceu desde que programar deixou de ser algo que passasse por cartões perfurados.

Nos bastidores de muitos projetos de software, sempre foi muito comum uma abordagem informal que chamaremos aqui de “sentar e codar” — uma prática em que o desenvolvedor começa a escrever código diretamente, com base em intuição e entusiasmo momentâneo, sem um planejamento prévio estruturado, testes automatizados ou documentação consistente.

Você já fez isso! Eu já fiz isso! Talvez ainda façamos as vezes. Não se envergonhe.

Embora esse estilo possa ser associado à produtividade inicial ou até à criatividade, ele apresenta riscos sérios e cumulativos, especialmente em projetos colaborativos e de longo prazo.

Como pesquisador em educação com foco em práticas computacionais e formação de desenvolvedores, proponho aqui uma reflexão sobre os impactos pedagógicos e técnicos da cultura do "sentar e codar" — e por que precisamos superá-la para evoluir como profissionais e como comunidade.


1. “Sentar e codar” como reflexo de uma formação incompleta

Essa prática não é apenas uma escolha individual, mas frequentemente reflete lacunas no processo formativo de desenvolvedores. Muitos cursos ainda priorizam exercícios isolados de lógica ou programação competitiva, negligenciando aspectos como engenharia de software, arquitetura, testes, versionamento e trabalho em equipe.

O resultado? Muitos profissionais iniciam suas carreiras sem referências sólidas de boas práticas, acreditando que codificar rápido e de forma espontânea é o mesmo que desenvolver bem.


2. A falsa sensação de produtividade

“Sentar e codar” gera uma produtividade aparente. As funcionalidades “funcionam”, o código “roda” e as entregas iniciais parecem rápidas. No entanto, sem testes, sem coesão arquitetural e sem padronização, o projeto se torna frágil.

O débito técnico se acumula — silencioso no início, mas devastador com o tempo. Manutenções se tornam lentas, correções geram novas falhas, e cada novo desenvolvedor enfrenta um labirinto de decisões improvisadas e código não documentado.


3. Efeitos negativos na cultura da equipe

Equipes que normalizam o “sentar e codar” geralmente enfrentam problemas de alinhamento técnico e comunicação. A ausência de planejamento coletivo e padrões mínimos transforma o código em um mosaico incoerente.

Além disso, a cultura da improvisação desestimula perfis mais sistemáticos, afastando profissionais que valorizam boas práticas de engenharia, revisão crítica de código, testes e documentação.


4. Educação e liderança técnica como agentes de mudança

É papel da educação — inicial e continuada — formar profissionais conscientes da complexidade do desenvolvimento de software. Isso exige mais do que ensinar linguagens: é preciso ensinar projeto, arquitetura, colaboração e qualidade.

Lideranças técnicas, por sua vez, devem atuar como mediadores e exemplos, promovendo ambientes onde a criatividade é incentivada, mas sempre com o apoio de estrutura, testes e revisões.


5. Caminhos para um desenvolvimento sustentável

Desenvolver software de qualidade é mais parecido com projetar uma ponte do que com escrever uma música. Requer método, revisão, testes de carga, manuais e manutenção contínua.

Algumas práticas que ajudam a superar o “sentar e codar” incluem:

  • Modelagem de domínio e arquitetura orientada ao negócio
  • Testes automatizados e cultura de TDD
  • Revisões de código como espaço de aprendizagem
  • Documentação mínima viável e acessível
  • Planejamento iterativo com feedback constante


Conclusão: do impulso ao profissionalismo

“Sentar e codar” pode ser uma fase natural no início da carreira. Mas projetos sérios pedem maturidade técnica e intencionalidade. Criatividade não é incompatível com engenharia — pelo contrário, ela floresce melhor quando existe base sólida.

Se quisermos desenvolver software com qualidade, escalabilidade e impacto real, precisamos deixar para trás o improviso solitário e abraçar práticas coletivas, planejadas e sustentáveis.


Agora vamos ao que interessa, o "Vibe Coding"...


“Sentar e Codar” 2.0: O Risco de Substituir o Pensamento pelo Código Gerado por IA

Com o avanço das ferramentas de inteligência artificial generativa, como o GitHub Copilot e o ChatGPT, uma nova prática tem se popularizado no desenvolvimento de software: colocar uma ideia vaga no prompt e aceitar o primeiro código que “funciona”. Essa abordagem, embora poderosa em termos de produtividade inicial, representa uma evolução — ou mutação — do antigo hábito de “sentar e codar”.


Proponho aqui uma análise crítica: o que muda (e o que se repete) quando trocamos a improvisação manual pela automação assistida por IA? A resposta é preocupante: mudam os meios, mas os vícios permanecem — e podem até se amplificar.


1. “Sentar e codar” vs. “pedir e colar”

A prática tradicional de “sentar e codar” se baseia no impulso: abrir o editor e começar a escrever sem pensar muito em arquitetura, testes ou manutenção. Hoje, essa impulsividade se manifesta como “pedir e colar” — enviar um prompt para a IA, receber um bloco de código e integrá-lo ao projeto sem revisão crítica ou contextualização.

Ambas as abordagens compartilham a ausência de reflexão técnica. Em vez de projetar, avaliar alternativas, definir contratos e responsabilidades, o desenvolvedor apenas responde à pergunta: “isso roda?”


2. Funcionou? Deixa. Deu certo? Não mexa.

O maior risco das IAs geradoras de código não está no erro — mas na ilusão de acerto. O código parece correto, compila, executa uma tarefa. Mas está mal adaptado ao contexto, não segue padrões da equipe, não possui testes, pode conter vulnerabilidades sutis e frequentemente oculta complexidade real sob uma fachada funcional.

É o mesmo risco de sempre, agora acelerado: entregamos mais rápido, mas acumulamos dívida técnica na mesma proporção.


3. Aprendizado superficial e dependência cognitiva

Um dos efeitos colaterais mais graves do uso indiscriminado de IA para gerar código é a interrupção do processo de aprendizagem ativa. Quando um desenvolvedor pula etapas cognitivas cruciais — como compreender o problema, estruturar a solução, modelar o domínio — ele delega não apenas o trabalho, mas também o raciocínio.

Assim como “sentar e codar” pode atrofiar a capacidade de projetar sistemas, “copiar da IA” pode gerar uma falsa sensação de competência, atrasando o desenvolvimento de autonomia e pensamento sistêmico.


4. IA como ferramenta, não substituta do design

O uso responsável de IA no desenvolvimento de software exige maturidade técnica. Ferramentas como Copilot podem acelerar tarefas repetitivas, sugerir nomes, gerar testes ou até auxiliar na prototipação. Mas não devem substituir decisões arquiteturais, modelagem de dados ou análise de trade-offs.

Sem esses cuidados, a IA apenas amplifica o velho hábito de codar por impulso — agora com aparência profissional.


5. O papel da educação e da mentoria técnica

A formação de desenvolvedores no contexto atual precisa reorientar o foco da produtividade para a intencionalidade. É preciso ensinar o porquê das decisões técnicas, fomentar leitura e interpretação de código, incentivar o uso crítico de ferramentas automatizadas e promover projetos em equipe com feedback contínuo.

Do mesmo modo, lideranças técnicas devem guiar suas equipes para o uso consciente da IA, sem abandonar princípios de qualidade, segurança, legibilidade e colaboração.

Aprofundar aspectos de Pensamento Computacional para devs passa a ser cada dia mais importante.


Conclusão: de promessas fáceis a práticas sustentáveis

Tanto “sentar e codar” quanto “pedir e colar” são atalhos tentadores — especialmente em contextos de pressão por entrega. Mas desenvolver software é, acima de tudo, um exercício de design, disciplina e diálogo técnico.

A IA pode ser uma aliada poderosa, mas não deve nos afastar do que realmente importa: pensar antes de codar, projetar antes de executar, colaborar antes de entregar.

Todas as soluções pra evitar problemas da época do sentar e codar, podem e devem ser aplicadas para essa nova geração de ferramentas.


Se você já vivenciou ou observou esse uso irrefletido da IA em projetos, compartilhe suas experiências. Precisamos debater não apenas o que as ferramentas podem fazer, mas o que devemos continuar fazendo como profissionais.

Rafael Moreira Ramos de Rezende

Full Stack Developer | React, Node.js, Linux, Python | Focado em soluções web escaláveis

3 sem

Assim que vi o autocomplete no copilot no vscode, desabilitei, creio que ele atrapalha muito a curva de aprendizado, apesar de auxiliar em tarefas repetitivas, creio que não é o ideal.

Orlando R.

Senior Lecture and Research at IFMA. Artificial Intelligence Enthusiast!

3 sem

Agradeço por compartilhar isso, Allan! Excelente a tua abordagem, nos permite refletir sempre que tipo de profissional devemos ter em mente neste novo momento que vivemos.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Allan Cruz

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos