“PENTE FINO PREVIDENCIÁRIO”

OS REFLEXOS DO CHAMADO “PENTE FINO PREVIDENCIÁRIO” NA ROTINA DAS EMPRESAS E O RISCO DO LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO TRABALHISTA

 

 

 

Nina Rosa Gil Reis – nreis@fblaw.com.br

Luiz Carlos Fraga – lcfraga@fblaw.com.br

 

Resumo: O presente artigo tem por objetivo a reflexão sobre as consequências da Lei 13.846/2019, denominada Lei de Combate às Fraudes Previdenciárias, para empresas e segurados. A absorção dos segurados dispensados pelo INSS, os riscos da transferência para os empregadores da obrigação de mantença dos que se encontram em situação de “limbo previdenciário trabalhista” e a adoção de medidas preventivas para redução dos riscos e dos custos decorrentes da chamada “operação pente fino” noticiada pela Secretaria da Previdência Social.

 

Palavras-chave: Combate às Fraudes Previdenciárias; Benefícios Previdenciários; Limbo Trabalhista Previdenciário; Prevenção de Riscos.

 

1.        INTRODUÇÃO

No último dia 18 de junho de 2019, foi sancionada pelo Presidente da República a festejada Lei nº 13.846/2019, denominada Lei de Combate às Fraudes Previdenciárias, a qual, segundo o Governo, permitirá intensificar o combate às fraudes, melhorar a qualidade dos gastos na Previdência Social e reduzir a judicialização dos temas previdenciários, com expectativa de redução de gastos a gerar uma economia de R$9,8 bilhões, no prazo de 12 meses.

Originária da Medida Provisória 871, apresentada pelo Governo em 18 de janeiro de 2019, a nova lei tem por objetivo instrumentalizar o INSS, na tentativa de fiscalizar e identificar fraudes, a partir de criteriosa revisão de benefícios e de processos com indícios de irregularidades, além de alterar regras de concessão de benefícios, como auxílio-reclusão, pensão por morte e a criação de um cadastramento especial aos segurados da área rural como condição para obtenção de benefícios.

Segundo o Secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, a sanção da nova lei permitirá ao Governo realizar a revisão de mais de 6 milhões de processos de benefícios junto ao INSS.

Essa notícia, que de início parece salutar e benéfica à sociedade, poderá gerar sérios efeitos nas empresas empregadoras, pois terão, por obrigação legal, que absorver a mão de obra cujo contrato de trabalho, por força da concessão do benefício, estava suspenso.

Esses efeitos são de várias ordens e grandezas, indo desde o custo para o desligamento dos egressos previdenciários, passando pela necessidade de criação de vagas e políticas de readaptação, até o enfrentamento do famigerado “limbo jurídico previdenciário/trabalhista”.

 

2.        OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA AS EMPRESAS

A concessão do benefício previdenciário que exige o afastamento do empregado do trabalho, seja ele auxílio-doença ou auxílio-acidentário, tem como causa imediata a suspensão do contrato de trabalho, no que a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 63, denomina como “empregado licenciado”.

No mesmo sentido, a concessão da aposentadoria por invalidez, de acordo com o artigo 475 da Consolidação das Leis do Trabalho, é causa de suspensão do contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis previdenciárias para a efetivação do benefício.

Isso significa que o contrato de trabalho, enquanto perdurar qualquer desses benefícios, permanece vigente, ocorrendo apenas a suspensão de seus efeitos, sendo que, dependendo do benefício, somente parte dos efeitos são suspensos, mas em todos os casos o empregado tem garantido o direito ao retorno ao trabalho, quando da cessação do benefício previdenciário.

Essas regras imputam à empregadora a obrigação de recolocar o empregado no mesmo posto de trabalho ou, se for o caso, identificar e oferecer novo cargo, caso haja necessidade de readaptação.

Sabe-se que atualmente as empresas trabalham no limite de sua capacidade econômica/financeira, com reflexos diretos nos postos de trabalho. Assim, o retorno do empregado afastado por longo período, seja por gozo de benefício previdenciário ou aposentadoria por invalidez, é um grande desafio a ser enfrentado pelas áreas de Recursos Humanos e Financeira, tanto pela necessidade de abertura de novo posto de trabalho, quanto na administração dos custos com readaptação ou rescisão do contrato de trabalho.

O afastamento previdenciário se dá com a concessão de benefícios de auxílio-doença, auxílio-acidentário e aposentadoria por invalidez, e as consequências de sua cessão dependerão da espécie de benefício e do estado físico e/ou mental do segurado.

 

2.1.     CESSAÇÃO BENEFÍCIO AUXILIO-DOENÇA – B31

O auxílio-doença identificado como B31 é destinado àquele segurado que desenvolve doença incapacitante à atividade laborativa, sem nexo de causalidade com as atividades desenvolvidas na empresa.

Deve ser um benefício de curta duração e renovável a cada oportunidade em que o segurado dele necessite, e é pago em decorrência de incapacidade temporária.

O benefício cessará quando houver recuperação da capacidade para o trabalho, pela aposentadoria por invalidez, ou com a morte do segurado. Não há um prazo máximo para concessão do auxílio-doença. Assim, o segurando tanto poderá retornar ao trabalho em 1 (um) mês, como depois de 8 (oito) meses ou 1 (um) ano.

 E o segurado em gozo de auxílio-doença, que não reúna condições de recuperação para o exercício de suas atividades habituais, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades, e o benefício cessará quando ocorrer a reabilitação.

Desse modo, quando ocorrer a cessação do benefício, o empregado poderá retornar totalmente apto para assumir o mesmo cargo e funções que exercia antes do afastamento, ou com necessidades especiais que exijam sua readaptação a outro cargo e funções.

Ao receber o empregado, a empresa deverá solicitar ao serviço médico a realização de exames e a emissão do Atestado Médico Ocupacional – ASO – de retorno. O médico do trabalho, ao emitir o ASO, confirmará a aptidão ou a necessidade de readaptação.

O auxílio-doença comum não é causa de estabilidade, e o empregado, após ter seu contrato reativado, poderá ser despedido, sem justa causa, salvo se a norma coletiva que rege a relação trabalhista contiver cláusula de manutenção do emprego no caso de retorno do benefício B31.

E, mesmo nesse caso, a maioria das normas coletivas prevê a possibilidade de conversão da estabilidade em indenização compensatória.

Se, por outro lado, a empresa decidir manter o contrato de trabalho, deverá tomar as providências necessárias para reinclusão do empregado no cargo que trabalhava antes da concessão do benefício, com o mesmo salário e vantagens pagos aos demais empregados que exercem o mesmo cargo e função.

Se o retorno se der após o processo de reabilitação profissional, a empresa terá que seguir as recomendações estabelecidas pelo INSS, identificando um cargo compatível às condições do empregado readaptado, sem possibilidade de redução do salário que era pago antes do afastamento. Esses procedimentos devem envolver os profissionais de RH e a área de Medicina do Trabalho.

A revisão e possível cassação de um grande número de benefícios de auxílio-doença terá como consequência o imediato retorno de empregados que estavam com os contratos de trabalho suspensos, com grande impacto na administração financeira e de pessoal das empresas.

 

2.2.     CESSAÇÃO BENEFÍCIO AUXILIO-ACIDENTÁRIO – B91

O auxílio-acidentário identificado como B91 tem como evento determinante a incapacidade relacionada obrigatoriamente com a atividade que o segurado exerce, podendo decorrer de acidente de trabalho, doença profissional ou doença ocupacional, denominados simplesmente “acidente do trabalho”.

O acidente de trabalho, gênero do qual o acidente típico é a principal espécie, está previsto no artigo 19 da Lei nº 8.213/91 e tem como causa o exercício de trabalho a serviço do empregador.

São entendidas como doenças profissionais aquelas inerentes exclusivamente à profissão e que podem ser desenvolvidas no trabalho. As doenças ocupacionais são as doenças adquiridas ou desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado ou que sejam a ele diretamente relacionadas.

Todas as espécies de acidente do trabalho que provocam lesão corporal ou perturbação funcional, e que tenham como consequência a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, dão causa à concessão do auxílio-acidentário – B91.

Assim como no caso do auxílio-doença comum, o empregado poderá retornar dessa espécie de benefício totalmente apto para assumir o mesmo cargo e função que exercia antes do afastamento, ou com necessidades especiais, após a reabilitação previdenciária, com exigência de readaptação do local de trabalho para exercício da mesma função ou alocação em outro cargo ou atividade.

Também nesse caso, quando do retorno do empregado, a empresa solicita ao serviço médico a realização de exames e a emissão do Atestado Médico Ocupacional – ASO – de retorno. O médico do trabalho, ao emitir o ASO, confirmará a aptidão com necessidade de adaptação do local de trabalho ou a necessidade de treinamento e alocação em outro cargo ou atividade.

Ao retornar do auxílio-acidentário, o empregado não poderá ser despedido, salvo por justa causa. Isso porque a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 118, estabelece que o segurado que sofreu acidente de trabalho, assim considerado não só o acidente no seu sentido estrito, mas também as doenças funcionais e ocupacionais, tem garantida, pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessão do auxílio-acidentário.

Essa estabilidade é irrenunciável, não havendo possibilidade de negociação entre as partes visando a redução do período ou a conversão em indenização compensatória. Dessa forma, ao receber o empregado que retorna do benefício B91, a empresa deverá providenciar sua reinclusão no mesmo cargo, com o mesmo salário e vantagens pagos aos demais empregados que exercem o mesmo cargo e função.

Se houver necessidade de readequação, a empresa terá que seguir as recomendações estabelecidas pelo INSS, identificando um cargo compatível às condições do empregado readaptado, sem possibilidade de redução do salário. Esse trabalho de identificação e adequação do empregado ao novo cargo ou tarefa deverá ser feito pelos profissionais de RH e a área de Medicina do Trabalho da empresa.

O empregado, durante o período que perdurar a estabilidade previdenciária, não poderá permanecer à disposição da empresa em casa ou no local de trabalho, sendo tal conduta considerada pelos Tribunais do Trabalho como ofensiva à honra e à dignidade do trabalhador.

Além da estabilidade prevista na norma previdenciária, várias categorias possuem previsão em norma coletiva de extensão desse período de estabilidade, devendo a empresa, pelo princípio da aplicação da norma mais benéfica, observar o prazo estabelecido na norma coletiva.

Os benefícios B91 são, na maioria das vezes, de vigência mais longa e seu valor equivale a 91% do salário de benefício, sendo causa de maior custo para a Previdência Social. Por essas razões, deverão ser reavaliados primeiro pelas regras da nova Lei.

Havendo a cassação desses benefícios, a empresa terá que readequar o seu quadro para absorver esses empregados, sem possibilidade de rescisão dos contratos de trabalho de imediato, por conta da estabilidade previdenciária.

 

2.3. CESSAÇÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

A aposentadoria por invalidez, prevista no artigo 42 e seguintes da Lei nº 8.213/91, é devida ao segurado considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

Em princípio, é um benefício provisório, pois será garantido enquanto o segurado permanecer sem condições de prover seu sustento e, por essa razão, a qualquer momento, poderá ser convocado pelo INSS para avaliação das condições que ensejaram sua aposentadoria.

Constatada a recuperação da capacidade de trabalho, dentro de 5 anos, contados da data do início da concessão do benefício, o segurado empregado deverá retornar imediatamente à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, o mesmo ocorrendo se a recuperação for parcial e o segurado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia.

A Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 475, prevê que o contrato de trabalho do empregado aposentado por invalidez ficará suspenso durante o prazo fixado pelas leis previdenciárias para a efetivação do benefício.

De acordo com as regras previdenciárias, os primeiros 5 anos de benefício (podem ser somados o período de auxílio-doença com o período de concessão da aposentadoria) são considerados como interinos, com possibilidade de reversibilidade da inaptidão ou readaptação, sendo esse, em princípio, o período em que o contrato de trabalho deverá ser mantido suspenso, pois ocorrendo o cancelamento da aposentadoria será assegurado ao empregado o direito ao retorno à função que ocupava ao tempo em que foi aposentado.

Entretanto, se por algum motivo o prazo de cinco anos não for observado pelo INSS, o contrato de trabalho continuará suspenso, o segurado com direito a retornar ao emprego e o empregador com o direito de rescindir o contrato tão logo ocorra o retorno. Esse é o entendimento do TST, consolidado na Súmula 160[1].

 

3. O LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO TRABALHISTA

           A alta médica previdenciária e a necessidade do imediato retorno ao trabalho nem sempre são aceitos pelo segurado que não se sente em condições de retornar às suas atividades laborais.

Em muitos casos o segurado até retorna à empresa, mas não é considerado apto para o trabalho ao ser avaliado pelo médico do trabalho.

           Em ambas as situações, o empregado ou o médico do trabalho solicitam uma nova avaliação médica para o INSS, mas enquanto o pedido não é decidido o empregado fica numa situação de impasse, sem poder trabalhar e, por consequência, sem receber salário, tampouco o benefício previdenciário.

           Essa situação, denominada Limbo Jurídico Previdenciário, não está prevista em lei, tendo sua origem na análise das inúmeras ações que tramitam perante os Tribunais do Trabalho, nas quais o segurado, sem ter condições de saúde para trabalhar, se vê na difícil situação de não receber qualquer benefício do INSS, bem como qualquer remuneração do empregador, e vai buscar junto ao Judiciário uma solução para sua sobrevivência.

            O número de situações de Limbo Jurídico Previdenciário teve seu aumento com o surgimento da Alta Programada, ou COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), criada pela Orientação Interna 138 DIRBEN/INSS, de 11 de maio de 2016. Por esse instituto, ao conceder o benefício, o INSS já indica uma data de alta programada, sem necessidade de uma segunda perícia, para suspensão do pagamento do benefício de auxílio-doença.

           Após inúmeras tentativas de dar prosseguimento à regra da Alta Programada, inclusive com a edição da MP 739/2016, que não foi convertida em lei, a regra foi renovada pela MP 767/2017, convertida na Lei nº 13.457/2017, com o reconhecimento da legalidade da COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), com base no artigo 60 da Lei nº 8.213/91.

           Essa conclusão levou o Órgão Previdenciário a adotar a regra que, em situações de incapacidade laborativa temporária, no momento da concessão deve ser também indicada a data de cessão do benefício; caso contrário, o benefício terá duração de 120 dias, salvo pedido de prorrogação pelo segurado.

           Como é sabido, o pedido de prorrogação raramente é decidido antes do término do período de vigência do benefício, sendo comum a cessão do auxílio-doença pela alta programada e o segurado, sem condições de retornar ao trabalho ou não sendo recolocado em função compatível com suas limitações, cair no “limbo previdenciário”, numa clara situação de vulnerabilidade social.

           Também para a empresa/empregadora as consequências do “limbo previdenciário” são danosas, pois sendo o segurado considerado apto para o trabalho pelo INSS, é dever legal da empresa receber o empregado e dar continuidade ao contrato de trabalho, com todas as vantagens do contrato originário e, caso o empregado não esteja em condições de voltar para suas atividades, o empregador deverá oferecer outra função compatível com o seu estado de saúde.

           São três as principais controvérsias decorrentes do “limbo trabalhista previdenciário”, que neste trabalho serão analisadas sob a ótica do interesse dos empregadores:

 

Primeira Controvérsia: Segurado teve o benefício cessado e requereu nova avaliação

O segurado teve o benefício cessado, seja pela alta programada, seja por ter sido avaliado pelo perito do INSS e considerado apto para o trabalho, e deve retornar imediatamente ao trabalho, mas ele não se sente em condições de reassumir suas funções e apresenta pedido de reconsideração da alta e realização de nova avaliação.

Durante esse período (que pode ser de três, quatro ou mais meses), o segurado não recebe o benefício e, se não se apresentar ao trabalho, também não receberá o salário.

Nesse caso, o empregador deverá receber o empregado e encaminhá-lo ao serviço médico do trabalho da empresa para avaliação de retorno.

Confirmada pelo médico do trabalho a aptidão para o trabalho, deverá ser emitido o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) com a observação de apto, e o empregado deverá retornar imediatamente às suas atividades e aguardar, trabalhando, a decisão do INSS sobre o seu pedido de reconsideração.

Se o médico do trabalho da empresa considerar que o empregado está apto, mas com alguma restrição, deverá orientar sua recolocação em função compatível. Também nesse caso o empregado deverá assumir o posto de trabalho que lhe for designado e aguardar a decisão do INSS.

Se o empregado se recusar a retornar ao trabalho, a empresa poderá notificá-lo exigindo seu retorno, sob pena de caracterizar o abandono de emprego e sua despedida por justa causa.

Entretanto, essa solução, que de início parece simples, quando feita a análise do caso concreto pelo Judiciário, nem sempre a decisão do empregador é considerada como adequada, pois, de acordo com a Súmula 32[2] do TST, se o empregado não retornar ao serviço, nem justificar o motivo de não o fazer, é que será presumido o abandono.

O texto da Súmula 32 do TST é muito vago, permitindo interpretação subjetiva e casuística.

Assim, se o empregado comparecer perante o médico do trabalho, informar que pediu a reconsideração da decisão do INSS, e se recusar a retornar ao trabalho porque não se sente em condições de voltar às suas atividades, eventual despedida por justa causa poderá ser objeto de contestação judicial, com possibilidade de o Judiciário considerar justificadas as faltas e a reversão da justa causa em reintegração no emprego.

 

Segunda Controvérsia: Segurado teve o benefício cessado e o Médico do Trabalho da Empresa não o considera apto

           A Lei nº 11.907/2009, em seu artigo 30, §3º, estabelece que são atribuições essenciais e exclusivas do cargo de Perito Médico da Previdência Social a emissão de parecer conclusivo quanto à incapacidade laboral.

           Dessa forma, por força de lei federal, a decisão do Perito do INSS deve prevalecer quando houver divergência entre suas conclusões e as conclusões do médico do trabalho.

Se o médico do trabalho não considera o empregado apto e, ainda, quando o médico do trabalho vislumbrar um agravamento da doença no caso de retorno ao trabalho, estaremos diante de um difícil impasse, que colocará a empresa em risco, seja qual decisão for tomada.

Se a empresa ignora a conclusão do médico do trabalho e reconduz o empregado ao seu posto de trabalho, correrá o risco, dependendo da inaptidão, de o empregado sofrer acidente de trabalho ou agravamento da doença. Se a empresa, para evitar o risco de acidente ou agravamento da doença, orienta o empregado a recorrer da decisão previdenciária e o coloca em licença remunerada, poderá ser acusada de conduta discriminatória. Se simplesmente não permite o retorno ao trabalho e devolve o empregado ao INSS, com atestado do médico do trabalho, dará causa ao “limbo previdenciário.

A conduta mais previdente, no caso de discordância entre o médico do trabalho e o perito do INSS, mas que não afasta totalmente o risco de eventual ação, é a emissão pelo médico do trabalho de ASO com recomendações, que alguns médicos costumam chamar “restrições”, com indicação das funções compatíveis com a situação de saúde do empregado, cabendo ao empregador readaptar o empregado.

Se a empesa ignorar as recomendações do médico do trabalho e amparada nas conclusões do INSS despedir o empregado, caso venha a ser provado, em juízo, que o este não estava apto, apesar da possibilidade legal da despedida, a empresa poderá ser condenada à reintegração e ao pagamento de indenização por despedida discriminatória e violação aos princípios da função social da empresa e do contrato, da solidariedade e justiça social.

 

Terceira Controvérsia: Benefício cessado decorre de Doença Ocupacional ou Acidente de Trabalho

           As consequências jurídicas das situações relatadas nos itens acima agravam-se quando o afastamento previdenciário se der em decorrência de doença ocupacional ou acidente de trabalho.

           Isso porque o segurado ao retornar ao trabalho será detentor da estabilidade de 1 (um) ano prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91, a contar da data da alta do INSS. Além disso, em eventual discussão judicial sobre sua aptidão ou não para o trabalho após a alta, ainda poderá ser discutida a responsabilidade da empresa pelo acidente sofrido ou pela doença profissional adquirida.

           O risco nesse caso não é só de pagamento de salários do período do “limbo previdenciário”, mas também de indenização por danos materiais e morais.

           

4. O LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO NAS DECISÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

           A responsabilidade do empregador pelo pagamento de salários no período que o empregado, após a alta previdenciária, não se considera apto ao trabalho ou não é assim considerado pela empresa, é reconhecida de forma reiterada pelo Tribunal Superior do Trabalho.

           Da mesma forma, são inúmeras as condenações de indenização por danos morais decorrentes da decisão das empresas de manter os empregados afastados sem o pagamento dos salários e/ou promover a despedida do empregado que se encontra na condição de “limbo previdenciário”.

 

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/14. EMPREGADO CONSIDERADO APTO PELO INSS E INAPTO PELO EMPREGADOR. PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A ALTA PREVIDENCIÁRIA E O RETORNO AO TRABALHO. "LIMBO PREVIDENCIÁRIO". PAGAMENTO DE SALÁRIOS. Conforme a jurisprudência iterativa desta Corte Superior, a discordância do empregador quanto à aptidão ao trabalho do empregado que se apresenta após a alta previdenciária não tem o condão de afastar o direito ao pagamento dos salários correspondentes, considerando-se o referido período como à disposição do empregador, até que o trabalhador seja reinserido nas atividades laborais ou tenha o benefício previdenciário restabelecido. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 185004020135170009, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 12/06/2019, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/06/2019)

 

"LIMBO" PREVIDENCIÁRIO. Ao deixar a Reclamante no "limbo" previdenciário, a Reclamada assumiu o risco da disputa, sendo sua a responsabilidade quanto ao período em que a Reclamante ficou afastada sem receber qualquer benefício previdenciário ou salário. (TRT-1 - RO: 01024612020175010481 RJ, Relator: JOSE ANTONIO TEIXEIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 04/06/2019, Gabinete do Desembargador José Antonio Teixeira da Silva, Data de Publicação: 05/07/2019)

 

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI Nº 13.015/2014. RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Embora a reclamada alegue a recusa de prestação jurisdicional, verifica-se que a preliminar deve ser rejeitada ante a ausência de prejuízo. A omissão do TRT em relação à tese de violação dos artigos 457 da CLT e 133 da Constituição Federal, não gera prejuízo tendo em vista que se trata de matéria de Direito Incidência da Súmula 297, III/TST. Nesse contexto, não se constata violação ao artigo 93, IX da Constituição Federal. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. 1. Hipótese em que o empregado recebeu alta previdenciária junto ao INSS, e mesmo com a comprovação do órgão previdenciário de que o autor encontrava-se apto ao trabalho, a empresa não autorizou seu retorno. 2. A decisão proferida pelo TRT está em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho em casos análogos. Com efeito, o entendimento adotado por esta Corte Superior é o de que, em situações de "limbo previdenciário" - como a retratada nos autos - deve ser garantido o pagamento da remuneração integral do empregado. Isso porque, conforme se infere do artigo 476 da CLT, o contrato de trabalho volta a gerar seus efeitos após o encerramento do benefício previdenciário, sendo irrelevante o fato de a moléstia do empregado não possuir origem ocupacional, ou se havia outros laudos médicos informando a incapacidade do empregado. 3. Importante ressaltar que consta da decisão Regional a informação de que "restou improcedente (...) a ação proposta pelo autor perante a Justiça Federal, na qual pretendia a concessão do benefício previdenciário por incapacidade laborativa. Este fato corrobora a conclusão de que o empregado estava efetivamente apto ao trabalho, razão pela qual são devidos os salários. Incólumes os dispositivos indicados como violados. Recurso de revista não conhecido. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. ARTIGO 483 DA CLT. Restou demonstrado que, após a alta previdenciária (que significou o fim da suspensão do contrato de trabalho), a empresa impediu que o empregado retomasse suas atividades. Foi demonstrado que" a reclamada recusou-se a retornar o reclamante para o trabalho ". E mais," a aptidão do autor para o trabalho foi constatada tanto pelo órgão previdenciário, por meio do laudo médico pericial (...) e das comunicações de decisão coligidas (...), quanto pela Justiça Federal (...) através da perícia médica. Por fim, o preposto em audiência disse que "a empresa simplesmente aguardou, o que pode levar à presunção de que assumiu os riscos de sua conduta, pois impedir o trabalhador de assumir suas funções, colocando-o num verdadeiro limbo jurídico, não é atitude que se pode admitir". É irrefragável que a empresa deixou de cumprir com suas obrigações contratuais, razão pela qual, reputa-se correta a decisão que declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho. Incólume o artigo 483 da CLT. Recurso de revista não conhecido. II - RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.PRÁTICA DE ATO ILÍCITO. ARTIGO 476 DA CLT. 1. O fato que justifica a condenação em indenização por danos morais não é a boa ou a má fé na conduta da empresa, mas sim o cometimento de ato ilícito. 2. A empresa tinha o dever de reintegrar o autor assim que foi comunicada da alta previdenciária, e o fato de existirem laudos informando a suposta inaptidão da empregada não a exime do seu dever legal. 3. Praticado o ato ilícito, este provocou inúmeros transtornos ao empregado, dentre eles o fato de ter permanecido sem os salários garantidores de sua subsistência. Trata-se de dano in re ipsa que prescinde de prova. 4. Nesse contexto, necessário se faz a reforma da decisão para conhecer e prover a revista, restabelecendo a sentença que condenou a empresa em indenização por danos morais. Recurso de revista conhecido e provido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 297/TST. Inviável a admissibilidade do recurso de revista, tendo em vista a absoluta falta de prequestionamento. Incidência da Súmula 297/TST. Recurso de revista não conhecido. (TST - RR: 767020135030095, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 08/05/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/05/2019)

I - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA SEGUNDA RECLAMADA NA VIGÊNCIA DAS LEIS N OS 13.015/2014 E 13.467/2017. REINTEGRAÇÃO JURÍDICA. ALTA PREVIDENCIÁRIA. RECUSA DO EMPREGADOR EM FORNECER AUTORIZAÇÃO PARA O RETORNO ÀS ATIVIDADES LABORAIS. EFEITOS. DECISÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM ATUAL E ITERATIVA JURISPRUDÊNCIA DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. O chamado período de "limbo previdenciário", em que não se reconhece a completa aptidão do trabalhador para retorno às atividades laborais, não obstante a ocorrência de alta previdenciária, não possui o condão de autorizar, por si só, a suspensão das obrigações contratuais inerentes da relação de trabalho. Nesse contexto, caberá ao empregador, diante da impossibilidade de deixar de exigir o retorno da prestação de serviços, adotar medidas que demonstrem o claro intuito de viabilizá-lo, ainda que se faça necessária adequação da atividade profissional a ser oferecida ao trabalhador, e que haja o apoio à eventual iniciativa do empregado em obter o restabelecimento do benefício junto ao INSS, pela via administrativa, ou judicial. Ausente inequívoca demonstração dessa conduta pela empresa, incide os efeitos da "reintegração jurídica", pela qual se conclui que o empregador aceitou assumir os encargos trabalhistas, sem a correspondente exigência da prestação de serviços pelo empregado. Precedentes da SBDI-II e de todas as Turmas do TST. Decisão regional em consonância com a atual e iterativa jurisprudência desta Corte. Porquanto injustificada a intervenção deste Tribunal, não se reconhece transcendência à matéria suscitada no recurso de revista. Recurso de revista não conhecido. II - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE NA VIGÊNCIA DAS LEIS N OS 13.015/2014 E 13.467/2017. TEMPO À DISPOSIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O TRANSPORTE FORNECIDO PELA EMPRESA E O HORÁRIO DE TRABALHO DA AUTORA. LOCAL DE DIFÍCIL ACESSO. MINUTOS RESIDUAIS DE ESPERA PARA O INÍCIO DA JORNADA E AO SEU FINAL PARA A SAÍDA DA CONDUÇÃO. EXEGESE DA SÚMULA Nº 366 DO TST. CONTRARIEDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. EXISTÊNCIA. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que constituem tempo à disposição do empregador os minutos residuais que antecedem e sucedem a jornada de trabalho, quando motivados pela espera do trabalhador, em face da incompatibilidade de horários com a condução fornecida pela empresa, a ensejar pagamento como horas extras, nos dias em que ultrapassado o limite máximo de 10 minutos diários, na forma da Súmula nº 366 do TST. Entendimento em sentido diverso, pela impossibilidade desse cômputo, caracteriza inobservância da jurisprudência consolidada deste Tribunal. Nestes termos, entende-se por verificada transcendência política da questão que constitui objeto do presente recurso de revista, a fim de se assegurar a eficácia da jurisprudência desta Corte. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido. (TST - RR: 8766620165120023, Relator: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 21/08/2019, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/08/2019)

 

5.          AS EMPRESAS E O CHAMADO “PENTE FINO PREVIDENCIÁRIO”

           Os jornais e noticiários de rádio e TV relatam, diariamente, diversas ações administrativas intentadas pelo INSS, com amparo na Lei nº 13.848/2019, que vão desde a suspensão sumária dos benefícios até o chamamento para recadastramento ou submissão à perícia. É o que chamam, comumente, de “Pente Fino Previdenciário”.

           Essas medidas do INSS, em curto prazo, impactarão as rotinas das empresas, com o retorno dos segurados aos postos de trabalho e a necessidade de criação de vagas e políticas de readaptação incompatíveis com o momento de recessão vivido pela economia do país.

           Considerando a quantidade de segurados afetados, deverá crescer o número de pedidos de reconsideração e recursos administrativos contra as decisões do INSS, implicando, por consequência, no aumento do número de empregados em situação de “limbo previdenciário”.

           O “limbo previdenciário” coloca o empregado em situação de vulnerabilidade social e provoca desarranjos de ordem administrativa e financeira para o empregador.

           

6.        MEDIDAS DE PREVENÇÃO PARA REDUZIR O IMPACTO DO “PENTE FINO PREVIDENCIÁRIO” NA ROTINA DAS EMPRESAS

As empresas, para precaver-se das inevitáveis consequências que advirão do “pente fino previdenciário”, deverão implementar ou incrementar (caso já possuam) uma rotina de gestão de afastados, criando mecanismos de frequente conferência da situação destes junto ao INSS.

A empresa deverá definir uma rotina semanal para averiguação se os empregados que se encontram afastados estão recebendo auxílio-doença do INSS e qual a espécie de benefício, se B31 (doença comum) ou B91 (acidente de trabalho ou doença do trabalho), ou se estão aposentados por invalidez, mediante consulta no site http://www3.dataprev.gov.br/conadem/ConsultaAuxDoenca.asp.

Adotando essas medidas, a empresa terá informações antecipadas se o seu empregado foi submetido à perícia médica do INSS, se continua afastados percebendo algum benefício previdenciário ou se teve o pedido de benefício indeferido, e terá mais tempo para se organizar para receber o empregado na mesma função ou recolocá-lo em outra compatível com sua situação de saúde, podendo, assim, administrar melhor as situações geradas com o retorno do segurado.

           Essas medidas não eliminarão o impacto na rotina das empresas que o “pente fino previdenciário” causará no mercado de trabalho, mas permitirão que a empregadora, tendo ciência do cancelamento do benefício e/ou indeferimento de sua manutenção pelo INSS, adote medidas preventivas para redução de riscos e custos decorrentes do retorno de empregados que estavam há muito tempo sob o abrigo do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez.

 

 

7.        CONCLUSÃO

           Diante da posição majoritária dos julgadores trabalhistas, que transfere para os empregadores a obrigação de mantença dos segurados durante o período que se encontram na famigerada situação do “limbo trabalhista previdenciário”, a sintonia entre a Área de Medicina do Trabalho e a Gestão de Pessoal na adoção de medidas preventivas é fundamental para redução dos riscos e dos custos que resultarão da operação “pente fino previdenciário” deflagrada a partir da Lei 13.846/2019.

 

BIBLIOGRAFIA

EDUARDO, Ítalo Romano Eduardo e Jane Tavares Aragão. Direito Previdenciário Benefícios, São Paulo, Editora Elsevier, 2008

CARVALHO, Zenaide(organizadora). Compliance Trabalhista: práticas, riscos e atualidades, Goiânia, Editora BSSP, 2019

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social: custeio da seguridade social -benefícios - acidente do trabalho - assistência social – saúde, 17ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 2002

MENDANHA, Marcos Henrique. Medicina do Trabalho e Perícias Médicas: aspectos práticos e polêmicos, 3ª ed., São Paulo, Editora LTr, 2013

MENDANHA, Marcos Henrique. Limbo Previdenciário Trabalhista: causas, consequências e soluções à luz da jurisprudência comentada, Leme, Editora JU MIZUNO, 2019.

 



[1] 160. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Cancelada a aposentadoria por invalidez, mesmo após cinco anos, o trabalhador terá direito de retornar ao emprego, facultado, porém, ao empregador, indenizá-lo na forma da lei (ex-Prejulgado nº 37).

 

[2] Súmula nº 32 do TST

ABANDONO DE EMPREGO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.

 



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