Liderança em tempos de polarização

Liderança em tempos de polarização

Os CEOs e conselhos de administração enfrentam hoje um cenário crítico: pressões ideológicas crescentes e uma sociedade polarizada que exige das empresas um posicionamento que vá além do lucro. Em um contexto de intensas expectativas sociais, colaboradores e consumidores esperam ver seus valores refletidos nas políticas e práticas corporativas. Ao mesmo tempo, críticas à chamada “cultura woke” e às iniciativas de ESG (ambiental, social e governança) criam uma contra-pressão para que as empresas evitem excessos de ativismo corporativo. Liderar, nesse cenário, exige uma estratégia apurada que não ceda ao impulso de polarizar ainda mais, mas que, pelo contrário, alinhe o propósito da empresa às expectativas internas e externas de forma clara e robusta.

O novo cenário de pressões e demandas paradoxais

Estudos recentes ilustram o dilema atual das empresas. Dados da The Conference Board revelam que 60% dos executivos consideram o ambiente político de 2024 mais desafiador do que o de 2020, e 71% deles identificam a crescente polarização entre legisladores e eleitores como principal causa dessa dificuldade. Além disso, 48% dos líderes apontam que a demanda por posicionamentos sociais e políticos por parte dos colaboradores é um fator crítico para as tensões internas. Este é o novo normal: consumidores que desejam que marcas reflitam valores de justiça social e ambiental convivem com uma base de acionistas e grupos de interesse que criticam esses movimentos como concessões ao ativismo.

Para os líderes, essa pressão mútua exige um equilíbrio cuidadoso e estratégico. O ESG, que antes era um diferencial para empresas inovadoras, é hoje um campo minado. Segundo a PwC, 76% dos consumidores preferem comprar de marcas que alinhem seus valores com práticas sustentáveis e inclusivas; ao mesmo tempo, cresce a resistência de grupos que veem nessas práticas uma sinalização excessiva de virtude, sem impacto concreto. No entanto, CEOs que ignoram essas expectativas ou se posicionam sem uma estratégia alinhada ao propósito da empresa podem perder não apenas o engajamento de colaboradores e clientes, mas também a confiança de investidores críticos e exigentes.

Conselhos de administração: guardiões de uma neutralidade estratégica

Para os conselhos, a questão não é simplesmente escolher entre posicionamento ou silêncio. Em vez disso, eles precisam garantir que a organização seja um espaço onde a pluralidade de opiniões seja respeitada, mantendo o propósito organizacional como âncora. Nos Estados Unidos e no Brasil, onde temas como justiça social, igualdade racial e direitos trabalhistas dividem a opinião pública, uma postura de "neutralidade estratégica" pode ser a resposta: um modelo que permite que a empresa se posicione sobre temas essenciais sem alienar importantes partes interessadas.

Essa abordagem implica escutar ativamente as demandas internas e externas e agir com transparência. Em um cenário polarizado, conselhos eficazes são aqueles que evitam o eco simplista de apenas uma perspectiva, cultivando um ambiente onde diferentes visões encontram espaço para coexistir. Segundo uma análise do Fórum Econômico Mundial, a polarização é uma das três principais preocupações globais dos executivos, e as empresas devem evitar “exclusividade ideológica” para manter a unidade interna e a relevância externa.

Estratégias para navegar em um ambiente volátil

  1. Escuta ativa e criação de espaços de diálogo Mais do que nunca, CEOs e conselhos precisam de uma cultura de escuta ativa. O diálogo construtivo — onde todas as vozes são realmente ouvidas — é um ativo crucial. Ele permite que colaboradores, com suas diversas visões, se sintam respeitados, reduzindo tensões internas e fortalecendo a coesão. Em tempos de “cancelamento” e de vigilância pública, a capacidade de ouvir com empatia se torna uma habilidade estratégica.
  2. Posicionamentos alinhados ao propósito O propósito corporativo deve guiar qualquer posicionamento, em vez de responder apenas às pressões do momento. Lideranças eficazes são aquelas que alinham suas ações aos valores centrais da organização. Um estudo da Edelman Trust Barometer mostra que 74% dos consumidores preferem marcas que defendem algo significativo, mas que isso deve ser feito de forma autêntica e prática, e não como uma mera ferramenta de marketing. Em tempos polarizados, a consistência e a autenticidade se tornam a diferença entre conquistar ou perder a confiança dos stakeholders.
  3. ESG como pilar genuíno, não como publicidade O ESG é um compromisso que deve ser integrado na operação, não apenas em declarações públicas. Empresas que adotam práticas ESG como um componente essencial de sua missão reforçam sua credibilidade e lealdade dos stakeholders. Segundo a McKinsey, empresas com práticas ESG avançadas têm mais facilidade em atrair e reter talentos, além de fortalecerem sua imagem perante um público exigente. Isso exige que o ESG seja parte do cotidiano corporativo, com métricas e resultados visíveis.
  4. Comunicação transparente e resiliente O silêncio pode ser uma escolha estratégica em determinados momentos, mas deve ser transparente e proativo. CEOs que optam por não se posicionar sobre temas específicos precisam comunicar essa decisão de forma clara, demonstrando como ela se alinha ao propósito da empresa. A transparência é o antídoto para que o silêncio não seja interpretado como omissão ou indiferença.

Liderança: união pelo propósito

A verdadeira liderança no contexto atual é a que une, não a que divide. CEOs e conselhos que compreendem e gerenciam as tensões ideológicas e sociais — equilibrando as demandas por ESG e o impulso antagônico à “cultura woke” — não apenas protegem a integridade de suas empresas, mas também demonstram que as organizações podem ser um espaço de pluralidade respeitosa. Ao assumir uma postura estratégica e fundamentada em valores genuínos, essas lideranças criam empresas mais resilientes, capazes de enfrentar as pressões de um mundo cada vez mais polarizado.

Este é o novo papel dos líderes: construir uma cultura organizacional onde o propósito é claro, a diversidade de opiniões é respeitada e o foco está em uma visão de longo prazo. A verdadeira liderança não está em seguir tendências ideológicas, mas em transcender os conflitos, criando organizações onde o propósito e a ética se traduzem em confiança, unidade e resultados duradouros.

Gisele Gomes M.Sc PhD

Carreira & Liderança | Cooperativismo | Inteligência de dados

5 m

Artigo fantástico! Tenho vivenciado pouca ética da abertura (Derrida) nesse processo. Os diálogos têm sido escassos e a escuta ativa passa ao longe. Sempre maravilhoso ler tuas críticas inteligentes.

Claudia Pitta

Ética Organizacional & Governança | Consultora | Palestrante | Conselheira Certificada CCA IBGC

5 m

Parabéns pela escolha de mais um tema super relevante Andiara Petterle ! E pela abordagem, com a qual concordo muito.

Hugo Cayuela

Estratégia I Planejamento Estratégico I Novos Negócios I Captação Financeira I Inovação I Tecnologia I GoToMarket I Conselheiro I Empresas Familiares I Sucessão I M&A I IA, Cloud, ESG, SaaS I Diretor

5 m

Excelente posicionamento. Um líder de verdade, de fato sabe ler o contexto e sabe também unir as pessoas.

Diego Gulli Sant'Ana

Senior Controller | Diretor Financeiro | Head de Finanças | Contabilidade, Controladoria, Impostos e Tesouraria | CRC

5 m

Andiara Petterle, ponto importante que você abordou. Achei perfeito onde você coloca: "... um modelo que permite que a empresa se posicione sobre temas essenciais sem alienar importantes partes interessadas." - Acredito que é exatamente isso que deveria ser o praxe para pessoas jurídicas como um todo, ou seja: Não tomar partido!

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