Freio de Arrumação - O medo
*Cynthia Fior
O “novo” corona vírus no Brasil, vem se propagando devagar, embora esteja sendo subnotificado pela falta de testes para saber quantos foram contaminados. No entanto, pelo número de mortes é possível saber que, por algum motivo, ele caminha mais lento por aqui, mas, ao mesmo tempo as pessoas que adoecem ou morrem agora, passam a ter um rosto, é alguém que eu conheço ou é amigo de um amigo. Isso tudo aprofunda um sentimento forte de medo de chegar até nós.
Em algumas cidades, os hospitais estão lotados, as pessoas que adoecem não podem ter nenhuma companhia nos hospitais e as que morrem não podem ter velório, são enterradas sem que a família possa se despedir. Então, o medo não é só de morrer, mas da forma como esta doença precisa ser tratada no isolamento, como contamina os profissionais da saúde e como a morte acontece de forma solitária.
Por outro lado, há o medo da perda de empregos e fontes de renda. Muitos dependem de doações para sobreviverem neste momento, mas, pelo lado bom, há muitas doações acontecendo também. Os governos ajudam, liberando recursos para pessoas físicas e financiamentos para pessoas jurídicas. O medo não é só de ficar sem renda agora, é também do que pode acontecer com as fontes de rendas anteriores, depois que a pandemia passar, já que há uma percepção de que tudo vai mudar muito, na forma de se trabalhar, pós-pandemia.
O medo faz as pessoas acreditarem em milagres e a cada dia surge um remédio novo que “curou muitos em algum lugar” e, ao mesmo tempo, muitos médicos e cientistas para contestarem. Buscam uma vacina, mas ela não vai ser possível antes de 12 meses. Portanto, para que o vírus não leve ao colapso total o sistema de saúde, resta a continuidade do isolamento social. Quanto a isso também não há consenso, muitos querem voltar ao trabalho e a ter uma vida normal, dizendo que não adianta ficar vivo e morrer de fome depois. A briga entre a Saúde e a Economia, ganha as ruas, em carreatas e panelaços, causando troca de Ministros.
Para completar, existe ainda mais este medo, que é não saber o que os governos podem fazer, pois há uma falta de coerência total dentro deles. Governadores querem agir de uma forma e os prefeitos não concordam e como existe baixa credibilidade do governo central, todos ficam como “formigas sem trilheiro” procurando se encontrar.
Mas, embora exista o medo, poucos têm coragem de expor. Grande parte tenta seguir sua vida como se isso fosse normal, o que agora se chama de o “novo normal”. Mas como é possível a normalidade se fomos privados de tudo o que tínhamos de rotina em nossas vidas? não trabalhamos mais como antes, não estudamos mais como antes, não passeamos como antes, não nos encontramos com as pessoas como antes e nem sabemos se o “antes” voltará. O medo não é só da doença, mas também reflexo do que teremos que mudar para nos adaptar após a mudança.
Tentamos fingir que não temos medo, até porque não queremos demonstrar para as crianças, mas elas sabem muito bem que estamos acuados e sem saber que rumo tomar. Vemos uma geração de jovens pais, que foi criada sem muitos atropelos, que pensava que ia passar pelo mundo sem ter muitos problemas para enfrentar, tendo que decidir sobre si e sobre seus filhos, a respeito de diversos aspectos de suas vidas que era, até então, tão certinha e programada, entrecortada por viagens a praias, baladas, shows e camarotes vips.
*Cynthia Fior é Consultora em Gestão