Estado paralelo

 Quem é que ainda não dançou no ritmo de uma escola de samba? Quem é que não tem um time de futebol de sua preferência?  Carnaval e futebol são paixões que arrastam multidões e fazem a alegria dos brasileiros, independente de posição social ou das posses econômicas.

Quem é que não sabe o que significa “zebra” no futebol? Quem é que passou pela juventude até os anos oitenta e não fez uma fezinha na loteria Paratodos? Quem é que não conhece qual é o bicho representado pelos números 13 ou 24 ou por outros de sua preferência?  Carnaval e futebol ajudaram a construir uma imagem ingênua, complacente mesmo, dos bicheiros do Rio de Janeiro, como nos conta a série “Doutor Castor”.

Carnaval e futebol acobertaram, também, a existência de uma organização criminosa que deu origem à formação de um Estado paralelo no Rio de Janeiro, com sua própria ética e com suas próprias leis. Castor de Andrade criou um sindicato de bicheiros que dividiu as áreas da cidade entre seus afiliados. Essa organização dava proteção aos donos dos territórios contra a invasão de outros, garantia os acordos, julgava os que desrespeitavam suas normas e mantinha uma câmara de compensação para socorrer as bancas que pudessem, em um dia infeliz, quebrar.

No campo político-social, o sindicato corrompeu políticos, policiais, juízes, ministros e procuradores para manter a paz em seus domínios. Seus líderes patrocinaram Escolas de Samba e dirigiram clubes de futebol. Na área financeira, a organização desenvolveu sofisticado processo de lavagem de dinheiro, envolvendo receptores da moeda doméstica e doleiros que geravam contas em bancos no exterior. A intensa atividade nas esferas cultural e esportiva deu, aos bicheiros, legitimidade social. O negócio ofereceu políticas públicas às populações locais, quer com emprego quer com assistência social quer, ainda, com proteção contra a violência. Foi o embrião de um Estado paralelo.

Mais tarde, com a expansão da comercialização de drogas e armas, mudou-se apenas o objeto dos negócios, pois o modelo de Estado paralelo já estava implantado. Menos importante é saber se os bicheiros passaram, eles próprios, a traficar drogas e armas. O negócio se expandiu, traficantes e milicianos tomaram conta da maior parte do território da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e se imiscuíram com a classe média, consumidora das drogas, com os agentes públicos e com o tráfico internacional de drogas e armas.

 Lendo “A organização”, de Malu Gaspar, pode-se ver que a corrupção valeu-se da estratégia e da tecnologia, já instaladas, para prosperar no assalto ao Estado formal, que ineficiente e impotente, está perdendo sua funcionalidade. Com corrupção, impunidade aos infratores, liberação de armas e o autoritarismo populista, temo que, em futuro não muito distante, o Estado paralelo substitua, de vez, o Estado democrático de direito. 


Steve Scheibe

Presidente, All Abroad, consultoria internacional. Seu ponto de apoio na America do Norte

4 a

muito serio...veja o Mexico

Belo tema ! O crime organizado já é mais forte que o poder formal em muitas cidades brasileiras. No Rio de Janeiro por exemplo!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Paulo Paiva

  • Como desarmar a bomba fiscal?

    Como desarmar a bomba fiscal?

    O novo presidente, que tomará posse em 1º de janeiro de 2027, terá encontro marcado com um shutdown do Orçamento da…

    4 comentários
  • E 40 anos se passaram...

    E 40 anos se passaram...

    A Proclamação da República, em 1889, acabou com o período imperial, mas não foi suficiente para garantir a estabilidade…

    3 comentários
  • Adeus, senhor prefeito

    Adeus, senhor prefeito

    Quarta-feira passada (26 de março), a população belo-horizontina acordou com a notícia de que o estado de saúde do…

    4 comentários
  • A Selic e a pesquisa

    A Selic e a pesquisa

    Em minha coluna publicada neste espaço, (“Pombos batem em retirada”, 13.12.

    1 comentário
  • A guerra dos botões

    A guerra dos botões

    Nesta semana, o presidente Lula participou, na fábrica da Fiat, em Betim, da inauguração do Centro de Desenvolvimento…

    3 comentários
  • Adeus, Affonso

    Adeus, Affonso

    Quando vi nas redes sociais a inesperada notícia da morte de Affonso Romano de Sant’Anna, no final da tarde de…

    2 comentários
  • Seria a comunicação?

    Seria a comunicação?

    Apesar do desempenho dos níveis de emprego e do aumento da renda per capita, o novo ano não recebeu o governo Lula com…

    2 comentários
  • Nasci para gastar

    Nasci para gastar

    A sociedade brasileira está pagando preço alto em razão da insistência do governo em não colaborar com o controle de…

    7 comentários
  • BH mon amour

    BH mon amour

    Para celebrar o 127º aniversário de Belo Horizonte, a Casa Fiat de Cultura presenteou a cidade com a exposição “Belo…

  • Novo Parlamento

    Novo Parlamento

    Davi Alcolumbre e Hugo Mota com maciças votações de 90% e 87%, respectivamente, irão comandar o Congresso no biênio…

    1 comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos