Bundled Payment melhora custos e impulsiona a qualidade na assistência?

Obs: este artigo foi publicado originalmente no site do IBSP: https://goo.gl/KxyhQh

O The New England Journal of Medicine (NEJM) publicou em 17/01/2019 um artigo no qual analisa os resultados da implementação de pagamentos por pacote clínico (ou “bundled payment”) no Medicare, um dos sistemas de seguro de saúde do governo americano (1). O estudo foi centrado na remuneração de artroplastia de quadril e de joelho, procedimentos de alto custo pelo uso de próteses. O novo levantamento mostrou que os resultados desse modelo de pagamento foram decepcionantes, pelo menos, considerando a alta expectativa .

A remuneração por pacote é considerada uma alternativa ao usual (e criticado) pagamento por serviços (“fee-for-service”). Ele é praticamente a reposta automática quando se discute como conter os altos custos de saúde. O modelo foi implantado em 2013 em 3.500 hospitais que atendiam ao Medicare. O pagamento é feito diante de algumas premissas: é pago um valor por “episódio” no qual se considera a hospitalização mais 90 dias após a alta; o pagamento é ajustado para mais ou menos diante de um conjunto de indicadores que incluem o custo do episódio e indicadores de qualidade assistencial, havendo incentivos para quem gasta menos e também para quem gera menos problemas ao paciente. Os hospitais com piores resultados para cada tipo de condição podem receber pagamentos menores.

O levantamento mostrou que houve uma redução de apenas 3% nos custos dos episódios, basicamente atribuível ao que acontece no pós-alta, por uma pequena redução no uso de hospitais de transição, por exemplo, mas não por qualquer redução no custo intrahospitalar. Não houve impacto negativo em termos de qualidade da assistência (um risco quando se oferece oportunidade de maiores ganhos atreladas a redução de custos). Mas, por outro lado, não ocorreu melhoria, o que sugere que incentivos financeiros não são um direcionador tão forte assim para melhoria do cuidado.

Uma conclusão semelhante já fora traçada em um estudo anterior, de 2017, em que pesquisadores da Universidade de Michigan analisaram o desfecho para outras três condições também incluídas no modelo de pagamento por bundle: pneumonia, infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca. Apenas pacientes com pneumonia tiveram um desfecho melhor: a mortalidade foi 0,43% menor entre aqueles tratados em instituições em que o modelo de pagamento era por episódio (2). Mais indícios de que a maneira de remunerar não é um caminho direto para melhorar a qualidade da assistência.

No novo estudo, um detalhe que não foi aprofundado, mas que gera preocupação segundo os próprios autores, é que indicadores relacionados diretamente ao paciente não foram avaliados, como questões de qualidade de vida. Em suma, pode ser que a redução dos custos possa ter vindo junto com piora de indicadores sobre cuidado centrado e experiência do paciente. Não se sabe ao certo, é mera especulação.

Outro ponto levantado na discussão do artigo é que existe um risco de as instituições começarem a não priorizar a realização de procedimentos em pacientes mais graves. Afinal, eles gerariam mais custos, o que teria impacto direto no possível resultado do hospital. É outro risco desse modelo de pagamento, que, diga-se de passagem foi muito estudado e é muito sofisticado diante do tradicional “fee-for-service”. Por ora, não acharam a fórmula mágica que sanará a questão dos custos em saúde (e cada vez mais descobrimos que não é dinheiro que mobiliza qualidade assistencial).

(1) Barnett, M. L., Wilcock, A., McWilliams, J. M., Epstein, A. M., Joynt Maddox, K. E., Orav, E. J., … Mehrotra, A. (2019). Two-Year Evaluation of Mandatory Bundled Payments for Joint Replacement. New England Journal of Medicine. doi:10.1056/nejmsa1809010

(2) Ryan, A. M., Krinsky, S., Maurer, K. A., & Dimick, J. B. (2017). Changes in Hospital Quality Associated with Hospital Value-Based Purchasing. New England Journal of Medicine, 376(24), 2358–2366. doi:10.1056/nejmsa1613412

Carlos Sacomani

Coordenador Médico de Inovação e Tecnologia da Informação (TI) (CMIO) - Médico Urologista - Especializado em Cirurgia Robótica, Disfunção Miccional e Uro-Oncologia

6 a

Bem colocado. Os modelos de “bundle payment” se espalharam pelos EUA. Se tornaram o meio do caminho entre o “capitation” e o “fee for service”. A ortopedia talvez tenha sido a primeira especialidade a lidar com essa forma de remuneração. A grande discussão é se o ajuste de custos não compromete a qualidade do atendimento. Na minha visão, dependendo da forma como é colocado, o “bundle payment” não deixa de ser um “fee for service” com preço fixo e determinadas situações embutidas no “pacote” (reinternação precoce, determinadas complicações). Recentemente, a ANS reformulou a guia TISS para o uso de “pacotes” (visando modelos “bundle payment”). “Bundle payment” também está atrelado a produção. Hoje, o mantra é falar em remuneração por desfecho (“value based healthcare” por exemplo). O grande desafio é trazer valor (custo com qualidade) à equação. “Empacotar por empacotar” não parece ser a solução. Vide o estudo que vc citou do NEJM

Sandra Shiramizo, MSc, MBA, VBHC Spec

Profissional multidisciplinar e líder em projetos de saúde e transformação de dados em valor real.

6 a

Dr Lucas, obrigada por compartilhar! De fato, são muitas variáveis envolvidas, mas talvez nenhum dos modelos existentes até o momento, teve tanto enfoque na qualidade, ou melhor, foco no paciente. Todos os envolvidos neste ciclo devem estudar e compartilhar mais para que possamos, quem sabe, encontrar um caminho.

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